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quinta-feira, 15 de julho de 2010

CONTA-ME



















Malu Monte

Conta-me...
Da dor que aflige o teu peito

E eu te contarei...
Do remédio que a curará

Conta-me...
Dos segredos guardados em ti desde criança

E eu te contarei...
Como saltar esse grito preso em tua garganta

Conta-me...
Do que não fizestes por medo

E eu te contarei...
Da coragem guardada em ti

Conta-me...
Dos teus anseios

E eu te abrirei todas as portas pra que possas entrar.

sábado, 10 de julho de 2010

TRÊS VIDAS, UM DESTINO (Conto)


Malu Monte

Após completar seus 16 anos Clarissa ganhou sua "carta de alforria". Enfim, agora poderia sair para curtir a vida com suas amigas e aproveitar ao máximo tudo o que a juventude lhe ofertava de melhor!
Combinou com Aline e Lúcia que iriam inaugurar a sua liberdade numa danceteria próxima de suas casas. Esse local costumava "bombar"* nos fins de semana, afinal, era o local preferido da galera.
Falou com seus pais que lhes deram permissão com algumas orientações para que tivesse cautela na noite e aqueles conselhos que todos estamos cansados de saber que sempre são valiosos, no entanto, pra quem tem essa idade nem sempre são absorvidos...rsrsrs
Ao entrar na danceteria, seus olhos brilhavam e ela olhava para todos os lados como se fascinada por aquele ambiente de luzes piscantes e barulho ensurdecedor mas que pra ela parecia o som das trombetas dos anjos lhes dando as boas vindas a um novo mundo.
Nada lhe escapava. Tudo era olhado e observado minuciosamente, inclusive as pessoas que por ali circulavam.
No entanto, pra uma novata, aquilo também era motivo de um certo temor diante de tudo o que seus pais sempre lhes disseram.
Então, por conta desses pensamentos, preferiu apenas manter-se na qualidade de boa expectadora.
Suas amigas, mais experientes por serem mais "velhas", estavam eufóricas e ansiosas em lhes mostrarem as várias novidades.
Ao passarem pelo salão onde ficava a pista de dança, Clarissa sentiu algo estranho...Uma sensação esquisita de que alguém a observava.
No entanto, olhava ao seu redor e não tinha certeza se de fato era observada ou se estava tímida por sentir-se um peixe fora dágua, sobretudo, por não ter o costume aquele tipo de ambiente.
Foi então que resolveu ir ao banheiro retocar a maquiagem. Ao sair, deparou-se com uma enorme varanda que não havia percebido.
Como fazia muito calor, resolveu avisar as amigas que iria tomar um pouco de ar puro. As meninas, no entanto, por estarem tão empolgadas com a música que tocava, nem ligaram muito e apenas com um gesto de balançar suas cabeças lhes deram o sinal de aprovação.
Ao chegar à varanda, Clarissa sentiu uma leve brisa balançar seus longos cabelos dourados e pos-se a contemplar as ondas do mar que batiam nas pedras da montanha e que lhe serviriam de cenário para o que estava por acontecer.
De repente, sentiu um quente toque de mão em seu ombro.
Quando voltou-se, deparou-se com um belo rapaz moreno, de fisionomia calma e um largo sorriso estampado no rosto que a fez estremecer.
Naquele instante, a jovem não sabia se a causa de seu tremor era de frio ou se provocada por uma atração física que lhe perturbara os sentidos.
Foi então que o belo jovem se antecipou:
- Olá! Estou observando você desde que chegou...Meu nome é Carlos Eduardo, mas pode me chamar de Dado - É como meus amigos costumam me chamar. E você? Como se chama?
- Ah!...Oi!...Eu me chamo Clarissa e... Me perdoe... Eu estava distraída e assustei-me com você! Rsrsrs
- Clarissa?! Que nome bonito! Isso me lembrou um livro do Érico Veríssimo. Foi por causa dele que seus pais lhe deram este nome?
- Não sei...Acho que deve ter sido sim. Meus pais sempre gostaram muito de ler...
Até este momento, eles ainda não haviam se olhado fundo pois Clarissa preferia fugir por timidez. No entanto, o rapaz não desgrudava um só segundo daqueles olhos castanhos e vivos e isso só a deixava cada vez mais sem jeito...
Foi então, que felizmente, pra quebrar aquela tensão, surgem Aline e Lúcia, que ofegantes e aos risos exclamaram em alto tom:
- Poxa que brisa boa essa que você veio pegar!... (E todos que ouviram riram...)
Clarissa logo apresentou suas amigas ao jovem que foi super simpático e o papo rolou animadamente entre eles por um longo período.
Num dado momento Aline quebrou a conversa ao fazer um comentário:
- Gente, a conversa está muito boa, mas temos que ir embora!Amanhã é dia de acordarmos cedo por conta da nossa aula, já esqueceram deste detalhe?!
- É mesmo!... Bem lembrado! Eu nem atentei pra isso!... Poxa que pena!...(Exclamou Clarissa).
As três jovens se despediram de Dado aos beijinhos e foram embora saltitantes, acompanhadas pelo olhar do rapaz que as focou enquanto se afastavam, até que sumiram pela porta da danceteria.
No dia seguinte, o assunto não poderia ser outro. Era Dado pra cá, Dado pra lá... E muitas gargalhadas e gozações.
Os dias se passaram e eles nunca mais se viram pois quando um voltava lá o outro nunca estava - Dessa forma, o destino se incumbiu de afastá-los.
Conforme o tempo seguia, Clarissa continuou a sair com suas grandes amigas. Numa dessas saídas descompromissadas a jovem conheceu um belo rapaz por quem se encantou. Seu nome, João Carlos, um paraquedista do exército, porte atlético - Um belíssimo exemplar masculino! Daqueles pra ninguém botar defeito!
E foi amor à primeira vista!
Clarissa em nada lembrava aquela jovem inocente. Seu semblante estava diferente; Não comia direito; quase não falava; Vivia em pensamentos; Circulava pelos cantos da casa a suspirar ou a cantarolar; Parecia flutuar por entre nuvens ou habitar um planeta distante anos luz.
Clarissa e João Carlos encontraram-se por algumas vezes e o rapaz, também apaixonado, resolveu frequentar sua casa e formalizar o namoro. A partir daí, a coisa foi ficando cada vez mais séria entre os dois.
J.C. sempre comentava sobre sua família. Seus pais eram separados e cada um morava num estado diferente. Por conta disso, tanto ele quanto sua irmã, foram criados pelos avós paternos. Seu irmão, no entanto, optou por viver com a tia (irmã de sua mãe).
Um dia Antonio Carlos resolveu que iria apresentá-la ao seu irmão e seus tios pois Clarissa ainda não tivera oportunidade de conhecê-los, embora soubesse de várias histórias que por ele eram contadas.
Ao chegarem na casa dos tios do rapaz qual não foi a decepção!... Seu irmão havia viajado pra casa da mãe que o convidara para passarem juntos um fim de semana em Ouro Preto-MG.
João Carlos lamentou não poder apresentá-la ao irmão caçula Dico - como carinhosamente todos da família o chamavam.
O tempo parecia correr e o casal cada vez mais apaixonado e sempre muito ocupado não pensava em mais nada. Apenas viviam o que a idade lhes permitia.
Cada momento era como se fosse o último de suas vidas tamanha a intensidade com que compartilhavam aquele sonho.
Pareciam estar definitivamente seguindo em direção ao casamento. Planos não lhes faltavam fazer... Até os nomes dos filhos já haviam escolhido!...
Tudo ia muito feliz... Até que um fato muito triste marcou para sempre a vida daquele jovem casal:
João Carlos havia chegado do quartel e já se preparava pra entrar no banho quando o telefone toca e ele, por estar sozinho, se enrolou na toalha e foi logo atender.
Do outro lado da linha, sua irmã, com a voz embargada, em meio a soluços, deu-lhe uma notícia que apunhalou seu coração: "O NOSSO DICO SE FOI! NOSSO MANO MORREU! FOI UM ACIDENTE DE CARRO HORRÍVEL QUANDO VOLTAVA DE MINAS! TODOS SOBREVIVERAM E SÓ ELE NÃO! "
O rapaz sentiu um tremor nas pernas e o coração acelerar.
Sentou-se no sofá, largou o telefone e em sua cabeça um filme passou... Lembrava do rosto do irmão, daquele sorriso, do seu ombro amigo que muitas vezes lhe servira de amparo, do incentivo que lhe dera quando fez prova pra oficial. Embora mais novo, Dico era muito maduro e sempre dava-lhe bons conselhos.
Ah!...Que momento triste! Ver alguém que se ama partir de forma tão prematura e brutal!...Até pra quem está de fora é muito complicado se consolar uma perda assim! Mais difícil ainda é se aceitar tal fato!
Ao perceber que a situação era real, que não era um sonho, João Carlos percebeu que precisava saber mais detalhes. Resolveu, então, trocar de roupa e ligar pra tia que lhe explicou justamente tudo como aconteceu. A mesma, também aproveitou o momento pra lhe dar todos os detalhes sobre onde seriam realizados o velório e o sepultamento.
Após tomar ciência dos fatos, o rapaz ligou pra Clarissa que imediatamente foi ao seu encontro e o conduziu ao local onde o corpo do irmão se encontrava.
Ao chegarem na capela, os familiares e amigos todos presentes - Ele era um rapaz muito querido! Muita gente ali pra dar o último adeus ao "Amado Dico"!
Clarissa, amparava o namorado que não se aguentava de pé, tamanha era a sua dor.
Passado um tempo, quando faltavam poucos segundos para fechar-se o caixão, a moça contendo as lágrimas resolveu se aproximar para também dar o seu último adeus aquele a quem ainda não havia sido apresentada e que, naquele instante, iria ver pela primeira e última vez.
Ao se aproximar do corpo para fazer sua oração de despedida a moça levou um choque!
Não podia ser verdade o que estava diante de seus olhos!... Como podia ser aquilo?! NÃO!... NÃO!... Como o destino poderia ter lhe pregado aquela peça justamente naquele momento?!... DEUS! OH DEUS!... Por que isso foi acontecer?!...
Clarissa sentiu um suor frio escorrer pelo seu rosto. Com a visão nublada, foi perdendo a noção e por fim desmaiou!
Ao acordar, após terem feito alguns procedimentos usuais nesses casos, Clarissa voltou-se ao namorado que ao olhá-la mostrou-se compreensivo por tudo o que se passava após ter sido avisado por suas amigas Aline e Lúcia que lá estavam pra prestar-lhe solidariedade e que, assim como Clarissa, também estavam chocadas!
O tempo passou, João Carlos e Clarissa se casaram.
Anos depois, a jovem mulher engravidou, dando à luz a um menino lindo a quem deu o nome "Eduardo".
Uma merecida homenagem aquele jovem e belo rapaz a quem tivera o prazer de conhecer no primeiro dia de uma fase importante de sua vida e de quem ela jamais esquecerá!

* Bombar = lotar, ficar cheio

NOTA: A história contada é real. Os nomes dos personagens foram por mim trocados como forma de preservar os seus direitos.